21 de abr. de 2009

Fé e Tradição

A tentação do crescimento rápido a qualquer custo está hoje presente nas igrejas, talvez mais que nunca, conforme a ideologia individualista e consumista que caracteriza a pós-modernidade.

Nestes tempos de consumismo religioso, a pregação é mera apresentação de um produto que pode ser consumido com muita facilidade: Jesus – já não mais referido como Cristo – um nome mágico que, quando invocado, realiza todos os sonhos de prosperidade (saúde, dinheiro, bens materiais, estabilidade financeira, harmonia familiar, etc.). Não há ênfase na necessidade de conversão, de metanóia, mas cobrar a graça, exigir a graça, pressionar a Deus para que cumpra sua promessa. Diante de uma crença assim fundamentada, não há mais necessidade de ensino e catequese, nem mesmo de conversão (metanóia).

A religião se torna produto e há de se garantir o aumento permanente de consumidores. É a lógica capitalista de mercado e do resultado. O que importa é vender o produto! Por isso não há lugar para a tradição, pois o produto tem de atrair a atenção dos consumidores, e agradá-los. Isso vem ocorrendo rapidamente no seio de todas as Igrejas Cristãs, sejam Evangélicas, Protestantes e na Igreja Romana.

Além do próprio fenômeno ideológico, esse modo de pensar começa a ser institucionalmente justificado, em nome do sustento financeiro da Igreja e da “Missão”, bem como a garantia de seu futuro institucional. A necessidade de cobrir os custos institucionais força, de certa maneira, a busca pelo aumento da arrecadação; o crescimento do número de membros se torna chave nessa lógica, e tal crescimento se torna fim em si mesmo.

Não se trata de fervor missionário, embora muitos, de boa fé, assim entendem, mas de uma ideologia religiosa que chegou à Igreja ao final do século IV, com o advento da Cristandade; enfraqueceu e se fortaleceu durante a Idade Média e, na Modernidade; é reforçada sobremaneira pelos avivalismos do século XIX, fruto da reação, primeiro pietista e depois fundamentalista, à teologia crítica que começa ensaiar seus passos.

Tal ideologia religiosa ganha, ao final do século XX, sua configuração pós-moderna: a chamada teologia da prosperidade e suas variações. O resultado dessa ideologia é o abandono das práticas pastorais, da catequese doutrinária e bíblica, da educação cristã, da vida em comunidade, da espiritualidade e da liturgia, em troca do “louvor”, da pregação de resultados pelo imediatismo da “bênção” e da demonização do diferente, com ênfase fundamentalista.

Não há senso de congregação ou comunidade, mas sim multidão de indivíduos; não há conversão e metanóia, mas consumo do sagrado. Deixa de existir a ecclesia tou Theou para surgir, em seu lugar, a clientela da igreja, do pastor fulano, do missionário cicrano ou do apóstolo beltrano. Nas igrejas brasileiras do tempo presente, com raras exceções que só confirmam a regra, não mais importa afirmar a fidelidade a Deus, mas cobrar a fidelidade de Deus!

Rejeita-se a Tradição[1], erroneamente considerada como não bíblica. Tradição é o tesouro que uma geração recebe das anteriores, a utiliza como fundamento, fonte de reflexão e sentido de identidade, e a atualiza. Por sua vez, cada geração coloca sua contribuição na “arca do tesouro”, e assim a Tradição é sempre reinterpretada, enriquecida, renovada.

A Bíblia, em si mesma, é um mosaico de tradições de diferentes épocas e culturas e nem por isso deixamos de considerá-la como revelação sagrada, Palavra de Deus. Rejeitar simplesmente a Tradição como idéia e construção humana, porque não está no cânon bíblico [2] é considerar que o Espírito Santo não mais habita a Igreja e não inspira mais a percepção e a compreensão da fé em nosso Senhor Jesus Cristo. É, de fato, negar o mistério de Pentecostes.

É preciso que os cristãos reassumam sua própria identidade, recordando pontos fundamentais da história de nossa fé e doutrina. No momento histórico em que vivemos, diante da diversidade religiosa da pós-modernidade, onde antigos conceitos de fé são tratados de maneira displicente, e vemos as Igrejas cada vez mais mergulhadas na ideologia do consumo religioso, é preciso registrar, relembrar e reafirmar com força e clareza – contextualizando sempre – os fundamentos da “Fé que vem dos nossos Pais”, para que ela – como sempre fez – “nos alente a estar de pé"[3].

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[1] Tradição vem do latim traditio, um bastão que – até hoje – é utilizado por equipes em competições de atletismo, nas corridas de revezamento. Cada atleta carrega o bastão durante a sua corrida e o passa para a mão do companheiro que prosseguirá a jornada.

[2] Devemos lembrar que a inclusão ou a exclusão de um texto na Bíblia (definição do cânon bíblico) foi uma decisão humana, seja ao final do século I através do concílio rabínico de Israel em Jamnia (AT), seja através das Igrejas Cristãs do século II (NT), reunidas em diferentes concílios até chegarem ao consenso, modificada depois pelos Reformadores os quais, em relação ao Antigo Testamento, acataram a decisão de Jamnia.

[3] Cf. Hino 268– Hinário Episcopal (1962) , A Fé que Professamos

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2 comentários:

  1. Na sua opinião, não é parte da Missão da Igreja, trazer novos fiéis?

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  2. Caro "Anônimo": o tema da Missão, a meu ver não se limita ao marketing da Igreja; aliás, eu acho que não tem nada a ver com crescimento de clientela da Igreja. "Novos fiéis" é bem diferente de "novos clientes".
    Obrigado por colocar o tema, escreverei sobre isso em breve.
    Um abraço.

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