28 de jan. de 2010

A idolatria do mercado e os rivais de Deus

                                                                                                      (Handall Fabrício Martins)*

Os principais problemas concretos denunciados pelos profetas do AT eram:
a) a má administração da justiça, fruto da corrupção e ganância;
b) a voracidade dos comerciantes, que buscavam cada vez maiores lucros e a qualquer custo;
c) a escravidão, a qual Amós julga injustificável em qualquer situação e Jeremias só admite no caso daquele que se vendeu como escravo, mas que deve ser posto livre ao fim de sete anos, como manda a lei;
d) o latifundiarismo, o acúmulo ímpio de terras;
e) o salário, que por vezes não é pago, ou é fraudado pelos patrões;
f) luxo, riqueza e esbanjamento, conseguido com a espoliação dos pobres.

Os profetas perceberam que o dinheiro havia se tornado um ídolo – rival de Deus – e a busca desenfreada pelo enriquecimento suplantava qualquer possibilidade de se praticar a justiça e o direito. Pelo contrário, as leis eram manipuladas e torcidas a fim de se beneficiarem os ricos, mediante o pagamento de suborno. Ora, se o primeiro dos dez mandamentos já estava esquecido – Deus havia sido substituído por Mamon –, os demais, principalmente os que se referem a não matar, não furtar, não cometer perjúrio e não cobiçar o que era do próximo, deixaram de ter qualquer valor. O “novo decálogo” poderia, quem sabe, ser assim formulado:
            1) Eu, Mamon, sou o deus que te livrou da pobreza e da humilhação; podes ter quantos deuses desejares, desde que eles não te exijam o desapego ao dinheiro e nem que o gastes fazendo o bem a outros além de a ti mesmo;
            2) Não tenhas pudores em te esqueceres de Javé, pois eu, Mamon, sou suficientemente poderoso para dar-te o que quiseres, riquezas sem medida e sem que te preocupes em teres quaisquer escrúpulos ou mesmo de seres fiel a mim;
            3) Podes e deves ostentar a tua riqueza, inclusive humilhando o pobre e disputando com outros sobre quem é o mais rico e influente;
            4) Nunca te permitirás o descanso, até o dia em que te tornares consideravelmente rico para folgares todo o tempo, enquanto teus servos e escravos trabalharão incessantemente a fim de aumentarem os teus bens;
            5) No dia em que teu pai e tua mãe se tornarem velhos e um estorvo para ti, não hesites em abandoná-los em qualquer sarjeta, pois, do contrário, ser-te-iam um fardo pesado, atrapalhando-te em gozares com teus amigos e mulheres dos prazeres que te concedi;
            6) No dia em que te enamorares da mulher do teu vizinho, sente-te à vontade para a possuíres, inclusive à força; se for necessário matar o teu vizinho para coabitares com sua mulher, faze-o sem remorso, pois eu, Mamon, compreenderei que o fizeste com o único intuito de saciares a tua cobiça e o teu egoísmo;
            7) Mata todo aquele que te atrapalhar em realizares teus desejos, mesmo o mais fútil; eu, Mamon, me agrado quando um de meus servos age inescrupulosamente a fim de satisfazer seus próprios interesses;
            8) Apenas com trabalho honesto nunca te farás rico; portanto, podes corromper as autoridades, te apropriar do que não é teu, tomar qualquer bem ou propriedade à força, quanto quiseres, pois isso me agrada;
            9) Quando fores a alguma demanda contra o teu próximo, podes mentir o quanto for necessário para te escusares; mas não te esqueças de subornar previamente os juízes que decidirão a questão, para que te livrem e saibam que podem sempre esperar de ti outros subornos, caso venhas a ter que te apresentares diante deles novamente noutra causa;
            10) Não sossegarás enquanto não tomares do teu próximo tudo o que ele tem, até vê-lo na miséria; não ponhas limite aos teus desejos; de tudo o que se agradarem os teus olhos apossa-te: vai e toma para ti, pois é teu.

            “[...] Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro, por cujo desenfreado desejo alguns se afastaram da fé, e a si mesmos se afligem com múltiplos tormentos” (1 Tm 6.10).

            A denúncia profética parece adequar-se perfeitamente a todos os males sociais produzidos pelo capitalismo:
a) leis, inclusive trabalhistas, que beneficiam mais os grandes conglomerados econômicos do que os trabalhadores;
b) venda de sentenças;
c) vazamento de informações privilegiadas;
d) a impunidade dos “ladrões de colarinho branco” e a prisão de ladrões de galinha;
e) mensalões;
f) interferência política mútua entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, em vez de independência e autonomia entre eles;
g) taxas de juros aviltantes;
h) lucros exorbitantes nas vendas de produtos;
i) carga tributária absurda;
j) jornadas de trabalho desumanas;
I) má vontade na resolução do problema da terra (reforma agrária);
m) baixos salários, que não são suficientes para atender as necessidades mais básicas das famílias;
n) enorme desigualdade na distribuição de renda, com um abismo separando ricos e pobres, bem como a concentração da riqueza cada vez mais nas mãos de uns poucos.

            Os exemplos se multiplicariam, mas parece que os acima citados são o bastante a propósito do que se gostaria de evidenciar: o que Franz Hinkelammert e Hugo Assmann chamaram de “A idolatria do Mercado”. Segundo esses autores, tem-se optado pelos investidores e não pelos pobres, à custa da miséria e do sacrifício, literalmente, destes últimos. Para eles, o que presenciamos hoje é uma gigantesca luta de deuses – rivais de Deus – que têm ocupado o lugar do Deus verdadeiro.
Será que devemos nos conformar com a idolatria do mercado, com o consumismo irracional, nos entregando a essa lógica econômica que supervaloriza as mercadorias, o dinheiro e o capital, em detrimento da dignidade e da vida da pessoa humana? Existem muitas ideologias e teologias que justificam essa entrega, dando a entender que o sistema econômico atual, com todas as suas terríveis conseqüências, é o jeito normal de se viver. Mas também existem arautos proféticos que se levantam contra a barbárie promovida pelo capitalismo, erguendo novamente a bandeira da solidariedade e o altruísmo entre os homens, a despeito do individualismo e da competitividade que o mercado tenta impor, a qualquer preço. De que lado nós estamos?

* Handall Fabrício Martins é bacharel em Teologia pela Faculdade Unida de Vitória.
Publicado com autorização do autor.
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Um comentário:

  1. Olá Luiz

    A religião, a despeito de seus fundadores em grande parte, acabaram por serem utilizadas desde a antiguidade, com propósitos de unir poderes e reconhecer autoridades...

    O Cristianismo por exemplo fora durante muito tempo perseguido pelos Romanos, até que Constantino assegurou de que tornar-se religião oficial do império...

    A partir deste momento o Cristianismo Primitivo, foi desvirtuando-se de sua ligação com Cristo, para tranformar-se numa espécie de limbo para Senadores e Imperadores exiloados do poder, criando uma classe Sarcedotal...

    Se bem me recordo Jesus ao adentrar em Jerusalem e ver o comercio que se tranformou a casa de seu Pai, ficara revoltado...

    Dizia que Fariseus eram sepulcros caidos e hiprocritas, justamente por falarem tanto em leis, mas não as seguirem...

    Não era seu proposito tranformar seus ensinamentos em uma religião, principalmente uma que depois noutro momento durante a Idade das Trevas maqtariam em seu nome, e mesmo queimariam intelectuais, mulheres, cientistas e inimigos politicos, acusando-os de bruxos, perversores, demonios e por ai afora...

    Vejo na essencia das principais religiões do mundo, e também as mais antigas, uma preocupação em transmitir valores morais, e também uma certa espiritualidade...

    Porém com o passar dos tempos, as religiões em sua mensagem e essencia, foram sendo distorcidas e tranformadas em meio de poder politico, em armas de guerra, com poder de eleger reis e também destitui-los conforme seus interesses...

    Hoje á sem duvida uma mercantilização por parte de algumas religiões, que nos remetem novmente a epoca do enriquecimento ilicito de Sarcedotes e venda de indulgencias...

    O problema não está nas religiões, mas por trás dos homens que as deturpam conforme seus vis interesses...

    Todas as religiões afirmam e acreditam, em algum tipo de manifestação espiritual, e num outro mundo além deste que vivemos e respiramos. Ocorre que alguns se aproveitam de tal natureza e tendência humana, que como um instinto, uma intuição, um elo de ligação que todos nós temos e manifestamos em algum momento de ligar-se ao "numinoso" ou "divino" que como disse o Psicologo e Humanista Maslow que apelidou de meta-necessidades esta necessidade de vivenciar a trancedencia, muitos utilizam disso... para tornarem-se "Mercadores da Fé" usurpando e engando as pessoas...

    Toda verdeira religião que se preze tem uma unica mensagem em comum "PAZ" !!!

    Não há outro problema no mundo que se não o Homem que é o lobo do Homem... que em sua ambição desenfreada é capaz de devorar seu semelhante e ainda a si próprio... caindo em ruina e no inferno que e ele mesmo acabar por criar...

    A finalidade que vejo da religião é auxiliar o Homem, guiá-lo para uma força transcedente, que cada um em seu intimo dará um nome diferente e cultuará também o seu modo... ocorre porém que nesta ligação... há certos "intermediários" que se aproveitam da credulidade humana, e a distorcem conforme seus interesses e prazeres...

    Há de se diferenciar o joio do trigo, e não julgar toda uma obra apenas por uma de suas capas... nem toda religião é boa... assim como também nem toda religião é ruim...

    Sabendo se separar a verdade, da metira á de se chegar a um entendimento correto, do que ou quem seguir... e de quem ou que distanciar-se !!!

    Namastê !

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