10 de fev. de 2010

Educação Teológica e Formação Pastoral (II)

(Continuação - sugiro que você leia antes o texto Educação Teológica e Formação Pastoral (I), postado mais  abaixo)
Que tipo de teologia está formando o clero do futuro?
Essa reflexão é importante para o contexto evangélico brasileiro; tenho visto, inclusive nas faculdades mais renomadas, estudantes que fazem a separação entre sua formação teológica e a sua vocação, quase exclusivamente entre os estudantes evangélicos e protestantes.
Várias vezes, conversando com estudantes de teologia que se destinam ao pastorado, ouvi coisas assim: “Eu estudo teologia porque a Igreja exige, para me ordenar! mas depois eu só preciso dos 66 livros da Bíblia e do Espírito Santo”. Também me surpreende muito existirem entre os estudantes de teologia, aberrações conceituais como “teologia da prosperidade”, “crescimento numérico da Igreja por qualquer meio” e “fundamentalismos cruéis” (vi em muitos carros parados nos estacionamentos das faculdades aquele famoso decalque: “em caso de arrebatamento, este carro ficará desgovernado”), além, é claro, do pensamento fascista de excluir ou querer “converter” o diferente.
Além de blasfemo e herético, este estado de coisas me preocupa muito, pois temo pelo futuro das Igrejas no Brasil.  Temo que o futuro das Igrejas seja a multidão de consumidores de um sagrado adaptado às massas, cristianismo sem conversão, sem adesão à Pessoa de Jesus Cristo; um protestantismo – generalizado como “povo evangélico” – decadente, que nega sua própria origem, e faz da religiosidade popular manipulada a superstição disfarçada de doutrina e consolo. Não seria isso a forma contemporânea da venda de indulgências e de lugares no “céu”?
Ou seja, há uma diferença entre o conteúdo dos estudos,  a compreensão da vocação e o significado de missão.

Em parte, isso é consequência do próprio estado das Igrejas. Em sua maioria, as instituições eclesiásticas se vêem forçadas a assumir seus custos, ampliar seus investimentos, fortalecer-se institucionalmente (mostrar uma imagem de instituição sólida e forte), ou seja, as Igrejas entraram na lógica do mundo capitalista, a busca de “bons resultados”: diversificar a produção, crescer a qualquer preço, conquistar mercados, expor a prosperidade como sinônimo de bênção e graça. 
Nessa lógica, a qualificação da “mão-de-obra” está centrada na capacitação técnica diante dos resultados a serem alcançados; assim  importa mais conhecer técnicas de marketing que exegese; utilizar a mídia de forma eficiente (aumentar as “vendas”) que homilética; técnicas de relações públicas que o exercício da misericórdia e da compaixão.  Os estudantes pensam assim porque, de certa forma, sofrem influência da “ideologia de prosperidade” dominante na sociedade de consumo capitalista e adotada por grande parte das lideranças eclesiásticas, sejam leigas ou clericais. As próprias congregações estão mergulhadas nessa ideologia, de forma a exigirem “resultados objetivos” como critério de sucesso dos seus pastores.
Em busca de caminhos
Diante do quadro atual, em que as Igrejas estão à mercê da lógica de mercado e a  formação teológica está vinculada ao sistema legal do ensino superior (currículos e programas obedecem diretrizes do MEC; há uma burocracia normativa complexa a ser cumprida, de forma que as Igrejas não têm o controle real do processo educativo), quais os caminhos possíveis para a formação dos futuros pastores e pastoras, do clero da Igreja?
É evidente que a qualidade acadêmica não pode ser desprezada. O bom conhecimento teológico é fundamental para garantir o bom resultado da pregação, do ensino e do fortalecimento da vida em comunhão nas comunidades .
Por outro lado, há conteúdos que não estão devidamente incluídos nos currículos acadêmicos atuais, uma vez que a maioria das faculdades de teologia são interdenominacionais ou vinculadas a universidades particulares.
Refiro-me ao específico da identidade denominacional e confessional de quem está se preparando para o pastorado: a história, os ritos, as tradições, as doutrinas e os aspectos canônicos, ou seja tudo aquilo que confere à cada denominação, a sua identidade específica. No específico da discussão acadêmica em sala de aula, onde a diversidade de identidades poderia ser algo útil e enriquecedor, essa mesma diversidade é desconsiderada na reflexão teórica a partir dos contextos de cada disciplina, algumas vezes até sob a justificativa de respeito pelas características individuais de cada denominação religiosa. A reflexão acadêmica torna-se acrítica ou, quando muito, generalista em sua crítica, sem estimular que o estudante faça a auto-crítica pessoal e denominacional (até porque os estudantes de teologia, como a maioria dos estudantes universitários brasileiros, carecem de formação escolar prévia competente e estimuladora da reflexão – mas isso é um problema além da amplitude deste texto)
Há também de se considerar os aspectos da formação pessoal inerente a quem se destina ao ministério ordenado: a vida de piedade, o senso da vocação, a busca permanente da comunhão com Deus, o sentido de serviço que o ministério confere. Isso também não pode ser esperado das faculdades de teologia, uma vez que não se destinam a formar clero, mas teólogos. A teologia, trabalhada enquanto discurso acadêmico, está desligada da vida pessoal e comunitária do estudante.  Na verdade, como discurso elaborado com consistência e coerência interna, a teologia, por si só, não pressupõe a fé.
Considero fundamental que o clero seja teologicamente formado, e bem formado. Não estou caindo na falaciosa separação entre pastores e/ou teólogos; também não vou recorrer a outra falácia, o conceito de teólogo-pastor  ou pastor-teólogo, que há alguns anos serviu para bons debates acadêmicos estéreis, e justificou muitos equívocos na formação do clero das Igrejas.
Talvez seja necessário pensar sobre a relação entre pastoral e teologia, ou melhor, entre pastorado e teologia. Qual o papel da teologia no exercício do pastorado? Como a teologia pode dar significado e conteúdo ao pastorado?  Como o pastorado pode desafiar a reflexão teológica a partir da realidade de vida dos cristãos?
Não posso, e não quero, responder a essa questão de forma genérica. Então, a partir daqui, falarei como episcopal-anglicano e minha reflexão estará dirigida e fundamentada pelos conceitos de identidade e de doutrina da minha própria denominação. Ir além disso exigiria uma pesquisa mais aprofundada para discernir o específico de cada identidade denominacional e obrigaria a apresentar propostas generalizadas de forma a incluir a maior parte das diferentes Igrejas e suas tradições específicas.
(continua)
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