18 de jul. de 2010

Se o tataravô do tataravô do vovô tivesse broxado…

Leonard Mlodinow é um físico, isto é, um sujeito que procura entender – na medida em que isso seja possível - como o Universo funciona. Filho de judeus poloneses que por acaso conseguiram sobreviver ao holocausto e se mandaram para os Estados Unidos, Mlodinow fez seu doutorado em Física na Universidade da Califórnia e tem publicado livros intrigantes sobre  a ciência objeto de seus estudos. O mais famoso talvez seja o que escreveu junto com Stephen Hawking – Uma nova história do tempo, que se chamou nova porque é, na verdade, a correção da obra anterior de Hawking  - Uma breve história do tempo.  Hawking estava errado e como não é um acadêmico brasileiro, reconheceu seu erro com humildade e reescreveu o livro junto com o físico que lhe provou o erro.

Físicos e matemáticos muitas vezes se misturam.  Na verdade, os matemáticos  não se misturam, os físicos é que vivem se infiltrando em seu mundo. Isso porque os físicos precisam do instrumental matemático para tentar entender o Universo, enquanto os matemáticos não precisam entender nada além da sua própria linguagem.  Acontece que o mundo imaginário dos matemáticos – e bota imaginário nisso – ajuda os físicos a imaginar como o universo funciona.  Os matemáticos por sua vez sabem que o universo dos físicos não lhes ajuda a entender a matemática, embora seja uma fonte inesgotável de quebra-cabeças – e matemáticos adoram quebra-cabeças. Assim é que físicos e matemáticos sempre estão juntos, e  alguns físicos se tornam também excelentes matemáticos.

Mlodinow é um desses caras.  Por acaso seus pais emigraram da Polônia para os Estados Unidos e lá ele nasceu e se tornou um físico. Tivessem vindo, por acaso, para o Brasil, Leonard teria sido, por acaso, um comerciante ou um jogador de futebol. O caso é que Mlodinow, que por acaso se tornou um físico, resolveu escrever sobre um tema que os matemáticos adoram: o acaso!

A ferramenta que os matemáticos do séc.  XVII criaram para estudar o acaso se chama Teoria dos Jogos. Na verdade, eles queriam mesmo era descobrir como poderiam ter “mais sorte nos jogos de azar”.  Mas como eram matemáticos, deixaram a imaginação fluir e assim construíram a Teoria dos Jogos, que hoje – para evitar acusações de imoralidade - chama-se Cálculo de Probabilidades. O Cálculo de Probabilidades, um campo teórico, permitiu o desenvolvimento de um método prático de se lidar com a aleatoriedade, método que acabou se tornando uma ciência dentro da Matemática Aplicada, a Estatística, ferramenta extremamente útil para as Ciências da Sociedade.

Por acaso eu sou um pretenso matemático brasileiro que também se formou em física. Há trinta anos eu era professor universitário e lecionava exatamente Estatística e Cálculo de Probabilidades.  Acho que os estudantes gostavam do meu curso, pois todo final de ano eu era obrigado a estar nas formaturas, pois ou eu era professor homenageado, ou era o patrono da turma ou o paraninfo.  Eu conseguia evitar o matematiquês nas aulas (eram classes de humanidades) e buscava mostrar o quanto de aleatoriedade há na vida.  Pediram para eu publicar meu livro de curso, o qual eu até elaborei, mas nenhuma editora aceitou porque sendo um livro didático de Estatística, como pode não ter um monte de fórmulas?  Todos os editores me faziam essa pergunta e – eu percebia o cinismo deles – me julgava um embromador.

Por acaso, o Mlodinow – que é americano do norte – escreveu um livro muito parecido (mas muito melhor) com o que eu havia esboçado: fala do Cálculo de Probabilidades, da Estatística e da Matemática, sem apresentar nenhuma fórmula!!!! Um livro espetacular, mas que, infelizmente, não é compreensível para a maioria dos universitários brasileiros de hoje, analfabetos em matemática: O andar do bêbado – como o acaso determina nossas vidas.

O simples fato de você existir, meu caro leitor casual, é um acaso: você é resultado da combinação dos genes de um determinado casal, que em um determinado momento copulou. Fosse 5 minutos antes, ou depois, não existira você! Todavia, cada um que forma o casal, é também resultado de uma cópula de outro casal, assim, você  é resultado de alguns acasos envolvendo três casais e três cópulas. E se você for acumulando os seus bisavós, trisavós, tataravós, e n-avós , você é o resultado de uma sequência de 2 à enésima potência de pessoas que copularam, e mais, tais cópulas resultaram em gravidez que terminou em parto, e nasceram pessoas que chegaram à idade de procriar e conseguiram procriar. Pense bem, se um certo sujeito, em algum lugar do planeta, no séc. XI, tivesse tido uma má noite (ou dia, uma cópula não precisa ser necessariamente à noite, como a gente aprende na adolescência) e broxado, você não existiria!!!

Mlodinow procura transmitir esperança aos leitores, quase fazendo o deleite dos viciados em “pensamento positivo”.  E não poderia ser de outra forma, porque o estudo sério da aleatoriedade termina com todas as nossas certezas e abala firmemente nosso instinto de controlar a própria vida.  Porque, os otimistas que me perdoem, toda a nossa existência é marcada pelo acaso! e nós não temos como controlar isso, a não ser pelo método mais antigo do mundo: tentativa e erro. 

A humanidade compreendeu isso muito cedo: se faz sol ou chuva, se o vento vem na direção do caçador ou da caça, se o peixe morde a isca ou não, se a Fulana vai com a minha cara ou não… a civilização é resultado dessa necessidade de controlar o acaso, ou pelo menos, minimizar as chances do acaso ser “azar”.  O método estatístico, quando bem aplicado, tem essa finalidade, mas é honesto: sempre indica a probabilidade de apresentar uma conclusão errada.  Ou seja: não há certeza absoluta.

Mas antes de inventar o método estatístico, a humanidade sempre tentou controlar o acaso: inventou sortilégios, ritos, simpatias, manias, e eu acho que o comportamento religioso do ser humano tem a ver com isso. Afinal, a idéia de que tudo acontece por puro acaso é tão assustadora que temos de imaginar uma Mente Superior para a qual não existe o acaso, antes o acaso se confunde com a Sua Vontade.  Assim, para controlar o acaso, basta estar de bem com tal Mente Superior: nasce a Religião…

Antes que os pentelhos de plantão venham me encher o saco com seus dogmas, eu falei RELIGIÃO!!! Fé é outra coisa!

Por acaso, falo disso em outra oportunidade, se o acaso permitir que eu volte a escrever…

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2 comentários:

  1. OLá querido Mestre!
    Excelente o seu texto. Amei!

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  2. Adorei....agora quero saber como ficam............Deus e o acaso! (a propósito.. sou eu - Chris, sua prima!). Só consegui postar como anônima.

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