14 de mai. de 2012

Do poder e do penico.

PenicosOs políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente, e pela mesma razão!  (Eça de Queiroz)
Não sei quando o Eça disse isso, se publicou ou não, nem mesmo se é o autor da frase… peguei a citação no Facebook. Todavia, é uma frase feliz, de grande senso cidadão.
Na verdade, isso vale para qualquer um que exerça autoridade e esteja investido de poder. Para evitar se contaminar, sempre é bom não acumular muito tempo no poder e no exercício da autoridade... isso vale em qualquer instituição, INCLUSIVE na Igreja! Porque ninguém é imune ao poder corruptor do Poder!
Houve uma Ordem, Monástica, em tempos passados – não me lembro qual mas provavelmente de Regra Beneditina – onde havia uma norma sobre o Superior Geral: ao término de seu tempo de governo (exercício do poder e da autoridade) o monge, até então o Superior Geral, era designado para a função de Irmão encarregado das latrinas do mosteiro, ou seja, o sujeito que tinha de cuidar da merda de todo mundo! Isso, dizia a norma, era para que ele se desintoxicasse e se limpasse do poder e da autoridade, para que reaprendesse a servir e a obedecer, pois até então fora servido e obedecido pelos demais confrades.
Também dizia a norma que o Superior recém eleito, antes de ser investido da autoridade, deveria passar alguns meses como Irmão Porteiro, cuja cela ficava fora da clausura, ao lado do Portão Principal, e que devia atender à porta qualquer hora do dia ou da noite. Era ele quem atendia os peregrinos que buscavam alguma ajuda, atendia os doentes que buscavam remédios, enfim, era o sujeito a quem cabia a responsabilidade de atender a todo mundo que batia à porta. Também competia a ele cuidar das montarias dos hospedes… Assim, o pobre do Irmão Porteiro (futuro Superior Geral) era um sujeito que não tinha muito descanso, e devia ser carinhoso, atencioso e prestativo, ter bom senso e muita paciência. Segundo a Norma, ele aprenderia a servir e a atender a necessidade dos demais confrades, pois sua principal função como Superior era o bem estar da comunidade.
Assim, antes e depois do tempo em que exerce a autoridade, o monge tinha de passar por funções simples e, ao mesmo tempo, humildes, para evitar a contaminação pelo Poder.
Acho que a gente devia ter alguma norma parecida para balizar as pessoas a quem delegamos autoridade no campo social e político.  Por exemplo: após as eleições para qualquer cargo, os eleitos  - antes de tomarem posse do poder – deveriam compulsoriamente servir como garis, garçons, faxineiros, porteiros, e outras tarefas subalternas que exigem paciência e habilidade em lidar com os outros. A ideia é que antes de exercer a autoridade, a pessoa seja submetida à outras autoridades… E também deveria ser obrigado, ao término do mandato, o exercício de funções subalternas, para evitar a arrogância…
Penso que na Igreja isso também deveria acontecer. Na verdade, na tradição herdada da Igreja Antiga, todos os clérigos são ordenados primeiro ao Diaconato, para depois, se assim o desejarem, receberem a Ordem do Presbiterado e posteriormente a do Episcopado.  Ou seja, todo Bispo e Bispa, todo Presbítero e Presbítera é, antes de tudo, Diácono/Diácona – a Ordem do Serviço. Portanto, qualquer que seja a hierarquia, todos os clérigos e clérigas são iguais – são Diáconos e Diáconas; as Ordens posteriores são colocadas SOBRE o Diaconato, não em lugar do Diaconato. Ou seja, toda a Hierarquia está apoiada na base do Serviço e a autoridade é exercida a partir dessa plataforma: o servir!
Entretanto, não é isso que a gente vê na maioria das vezes… Sacerdotes e Bispos que adotam posturas senhoriais, arrogantes e autoritárias… como se a Igreja (Paróquia, Diocese) fosse propriedade sua e não espaço do SEU serviço.
Seminaristas deveriam, além do estudo teológico, passarem por processos obrigatórios de estágio atuando em comunidades e situações limites: capelania hospitalar, serviço social e pastoral com moradores de rua, servir voluntariamente em hospitais destinados a doentes terminais… não serão bons pastores e pastoras se não conhecerem em profundidade os limites humanos da dor, da tristeza e da exclusão! Não poderão ser sinais da misericórdia amorosa de Deus se não compreenderem o que é necessitar de misericórdia.
Ao se tornarem Diáconos e Diáconas, deveriam ser obrigados a atuar ainda nessas situações limites, como servos e servas. Além de serem sinais do amor misericordioso de Deus, seriam também interlocutores para a Comunidade da Igreja sobre as necessidades do mundo… manteriam os olhos da Igreja voltados para as dores e misérias humanas, inspirando a missão e a ação evangelizadora.
Mesmo depois de receber o Presbiterado, de tempos em tempos seria bom que voltasse a exercitar concretamente o Diaconato, um período onde estaria em contato novamente com os limites humanos… e isso também deveria ser obrigatório aos Bispos e Bispas… deixar a Mitra e o Báculo no Altar e voltar – de tempos em tempos – a carregar o alforje do Diácono de forma concreta e engajada, não de forma simbólica.
Isso ajudaria todos nós a resistir quando tentados pelas benesses do Poder e do exercício da Autoridade, e sermos fiéis ao Senhor que se apresenta como Aquele que Serve, o qual nos separou para sermos sinais de SUA AÇÃO (serviço) no mundo. Um semestre sabático afastado do encargo e da solidão do poder permitiria aos Bispos e Bispas e também aos Párocos e Párocas avaliarem-se desnudos diante do Senhor da Vida e da Igreja e desintoxicarem-se dos demônios que rondam o Poder…
Isso seria um novo paradigma para a Igreja que tenta ser sinal do amor de Deus em um mundo cada vez mais centrado no ego e na auto-satisfação consumista, um mundo cada vez menos solidário…
O Poder, seja qual for, sempre tenta e quem cai na tentação acaba fazendo merda! de tempos em tempos, é bom que os grupos humanos limpem seus penicos!
Fica a proposta…
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FOTO: Museu do Penico, Salamanca, Espanha
Espalhados pelos diferentes cantos do mundo, encontram-se museus dos mais curiosos, como o do penico. Fundado em 2007, o Museu do Penico encontra-se instalado no Seminário de São Cayetano, junto à Catedral de Ciudad Rodrigo, a cerca de 30 km da fronteira de Vilar Formoso. Fruto do esforço de José María del Arco, o Museu do Penico abriga 1.300 peças diferentes provenientes de 27 países diferentes entre eles Portugal, tendo sido a maior parte deles oferecidos ao proprietário. Uma proposta diferente e a oportunidade de admirar um aspecto original do legado histórico dos nossos antepassados.
Uma visita ao Museu em Salamanca? Vale a pena ver tamanhas relíquias! Ah, e faça questão de não encostar em nada hein?
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Um comentário:

  1. Caro Caetano! não vou me idenficar, por motivos óbvios! Descobri seu blog por acaso, vendo informações a seu respeito no Google. Fomos colegas de ministério. Sempre admirei você por ser um sujeito que não tem papas na língua! Esse texto, sobre poder e penico, é fantástico! Mas só mesmo um idealista sonhador como você é capaz de sugerir que Bispos e Bispas deixem a mitra e o báculo no altar para reviverem (se que é já o tenham vivido) a experiência de servir e obedecer... Da forma como têm sido as eleições para o Episcopado, parece que se disputa o penico, digo, o poder, sem qualquer proposta concreta a não ser o conchavo e o queridismo... Lembro de uma conversa que vc teve conosco, na Diocese onde eu atuava, quando nós estávamos convidando você para ser candidato ao episcopado naquela diocese. Você perguntou só uma coisa: "qual o projeto de diocese que vocês representam? posso vê-lo? só assim saberei se seria um bispo adequado a cumprir tal projeto". Quando respondemos que só tínhamos ideias, vc falou para elaborarmos um projeto e depois vc conversaria conosco. Não fizemos e você não foi candidato... creio que vc percebeu que queríamos te oferecer um penico e não uma proposta de serviço. Deu no que deu! Um forte abraço e aproveite este tempo de aposentadoria para incomodar muita gente com suas idéias heréticas - como você disse em outro artigo. Quantop a mim, vou aproveitar minha quase aposentadoria lendo seus textos contundentes.

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